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BIODANÇA, MEMÓRIA E VIDA



14 de novembro de 2011

Minhas Tardes com Margueritte

Trailer legendado do filme "Minhas Tardes com Margueritte", com direção de Jean Becker e estrelado por Gérard Depardieu, Gisele Casadesus, Sophie Guillemin e Patrick Bouchitey.

Sensibilidade. Emoção. Desenvolvimento. Aprendizagem. Dificuldades em aprender. Credibilidade (ou descredito) familiar na potencialidade do outro. Bulling. Descrença. Encontro.  Sintonia. Significado. Ser importante para alguem. Resgatar o amor e o desejo. O conhecimento não é para ficar estagnado. É para seguir adiante e alcançar novas vidas, novos significados. Confiança. Vínculo. Amorosidade. Envelhecimento. Solidão. Comunicação. Afeto. Solidariedade.  Delizadeza. Memória. Abandono. Generosidade. Amor. Encontro.

São termos que podem surgir na sua mente ao assitir este filme. Confira!

A Biodanza e a poética do envelhecimento

Trecho da monografia de conclusão de curso de Facilitadores de Biodança
Autores: Helio Diniz e Kathia Pimentel (2007)

Que significa ser velho hoje no Brasil? Sentir-se e ser visto como um indivíduo operativo, aceito, valorizado, integrado? Ou o inverso? Sentir-se e ser considerado de forma substancialmente diferente das crianças, jovens, adultos mais jovens? Ser avaliado e avaliar-se positiva ou negativamente? Enfim, haveria uma resposta única a esta questão? [i]

Uma velhice com vitalidade é a consequência de uma vida bem vivida sob os aspectos da afetividade, da permissão, da ética, das relações sociais. Permitir ser amado traduz a vivência do amor, da afetividade que terá importância fundamental na velhice. O mesmo se diz de encontrar sua turma, de vivenciar de mãos dadas o encontro e a roda, que poderão trazer à tona as possibilidades ainda não vislumbradas.
Rolando Toro, o criador da Biodanza, convida-nos à vivência da afetividade em todas as etapas da vida, quando diz: Temos que nos enlouquecer de amor. Temos que nos abandonar, temos que permitir que nos amem. Temos que unir as mãos em uma cadeia de amor através da qual passe realmente a vida. Este é o sentido da roda, o rito da vida, o ato primordial”.
Esse convite torna-se uma abertura não só para o amor, mas também para a vivência do aqui e agora, vivência intensa de possibilidades, da união, da força do grupo.
Para Fernando Pessoa, em Ricardo Reis, a alienação não otimiza a vida, pois diz ao leitor “Sê todo em cada coisa(...) Põe quanto és no mínimo que fazes(...)Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive.”
E ainda o mesmo, em Álvaro de Campos: “Sentir tudo, de todas as maneiras (...). Viver tudo, de todos os lados. (...) Realizar em si toda a humanidade de todos os momentos (...). Num só momento difuso, profuso, completo e longínquo (...)”.
Carlos Drummond de Andrade, incluindo a velhice em seu poema “Mãos Dadas”,[ii] chama atenção para a vida aqui e agora:
Não serei o poeta de um mundo caduco caduco.  Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros.    (...) O presente é tão grande, não nos afastemos.     Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Cora Coralina, sobre a importância da convivência e da interação social, diz: “Não sei (...) se a vida é curta ou longa demais para nós. Mas sei que nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas.” [iii]
A chamada para a integração, consigo, com o outro e com o universo, tomou uma conformação ampla e universal e é incansavelmente apontada pela Biodanza em todas as suas propostas.
Carlos Drummond de Andrade, em seu poema “Os ombros suportam o mundo” [iv], diz:
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
(...)Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo que a vida é uma ordem.
Nestes tempos em que a vida é uma ordem, foi possível, nessa experiência, testemunhar que, depois de 60 anos, Marta fez Psicologia, Tereza fez Designer Gráfico, Dora fez Serviço Social, Júlia fez curso de Técnico em Enfermagem, Graça fez pós-graduação e Sílvia escreveu um livro, coisas que nunca haviam feito antes. Esses nomes são fictícios, mas a história de cada uma é verdadeira. Elas tomaram a decisão de percorrer esses caminhos após a participação na Universidade da Terceira Idade.
A Biodanza, para os alunos, veio ampliar as possibilidades de viver o que se tem a viver a cada dia. A sessão de Biodanza tem um ritmo orgânico: a roda reflete a união e a força do grupo (não se está só!); o caminhar é o movimento que fortalece e explicita a autonomia de cada um (posso fazer do meu jeito!); os jogos de vitalidade trazem autoconfiança e alegria (a vida é boa de ser vivida!); a descida da curva da aula centra o participante em seu núcleo de força, na sua identidade, gerada no cerne da espécie humana; os abraços restituem significados renovados sobre cada um dos participantes, sua vida social, sua manifestação de carinho e solidariedade! Tais possibilidades podem ser encontradas no poema que diz:
Deixa os sonhos te levar... Voa alto, vai bem longe. Sonha o que mais te agradar. Pões flores, muitas cores. Estrela, o céu e o mar... Muito amor, muitos sabores... Prá teu sonho enfeitar.” [v]                                                              
“A Biodanza nos permite o acesso à realidade por outra via, por outro canal, outra linguagem; cala nossa fala para ouvir nosso corpo, nosso instinto, nossa emoção... A aprendizagem se faz no próprio ato de viver – a vivência é a vida acontecendo particularmente, singularmente.”[vi]
Em nós, facilitadores a caminho, a ansiedade e a responsabilidade nos traziam à tona inúmeras preocupações. Que vivências promover nas aulas? Que músicas? Que ritmo? Que linhas de vivência trabalhar? Que cuidados providenciar com relação à profundidade, ao tempo, ao contato? Poderiam, os idosos, dar conta de uma aula de Biodanza? Estariam bem adaptados? E nós, estaríamos prontos para sermos facilitadores?
Muitas indagações surgidas antes e depois de cada aula estruturada, muitos erros e acertos vivenciados com consciência e reflexão tornaram-se, com o tempo, fontes de aprendizagem no transcurso desse caminho.
A reflexão sobre cada dia tornou-se fundamental nos inúmeros encontros para preparação e estudo das aulas. Que crenças nos moviam quando estruturávamos nossos encontros? O que pensávamos do público que atendíamos, considerando a faixa etária não tão distante das nossas? Vislumbramos que todos envelhecem. E nós?!  Nem sempre conseguimos perceber que estamos envelhecendo, desde que nascemos, e mascaramos nossos sentimentos. A distância entre o medo e a nossa metacognição não é muita! Saber sobre si mesmo é saber do medo, da ansiedade, do tremor, do próprio envelhecer. Condizentes com a política do mundo produtivo e jovem, não nos olhamos no espelho, não queremos ver que não somos mais tão jovens, embora nos saibamos produtivos e desejosos da vida!
Remetendo a Cecília Meireles no seu poema “Retrato”, a velhice nos pega no susto, ao nos olharmos, pela primeira vez, no espelho dos olhos de nossos alunos idosos!
Eu não tinha este rosto de hoje,
...
Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?[vii]
Que medos, ansiedades, dores, preconceitos temos de nosso próprio envelhecimento? Que antevisões nós fazemos de nossas relações afetivas, de nossa sexualidade, de nossa vida social, da solidão, da convivência, do nosso corpo e organismo quando formos idosos?
Lia Luft afirma que “há poucas décadas alteraram-se nossos prazos e os conceitos sobre juventude, maturidade e velhice. Passamos a viver mais. Nem sempre passamos a viver melhor. Esse me parece um dos mais extraordinários desperdícios da nossa época. Hoje as avós voltaram à escola, dirigem carro, namoram, usam computadores, parecem mais felizes que as avós antigas, mas ainda viceja nosso repúdio à velhice!”[viii]
Concordamos plenamente com a autora! Há, sim, um conflito entre o que a vida nos apresenta na realidade, o que percebemos das possibilidades e o que nos permitimos viver.
Ainda assim, nossas alunas nos ensinaram que o crescimento é incontrolável se existe desejo de viver! Fizeram vestibulares e cursaram cursos de graduação, após, evidentemente, seus 60 anos!
Lya Luft afirma, sabiamente, que uma questão fundamental é o que e quanto nós nos permitimos. Destacamos a omissão sábia do advérbio quando, na perspectiva da permissão e da temporalidade, pois, enquanto estamos vivos, estamos aprendendo! Cada momento vivido traz o impacto do novo, fortalecendo ou renovando nossos valores internos.
Neste momento, já nem nos damos conta se estamos falando das alunas de Biodanza da Universidade da Terceira Idade ou de nós, facilitadores! Nossos espaços internos, nossas crenças construídas nos limitam ou nos libertam na mesma intensidade!
Deparamo-nos com a indagação: que linhas de vivência trabalharemos com este grupo? Vitalidade? Afetividade? Criatividade? Sexualidade? Transcendência? Curiosidade, insegurança, observação, conhecimento permeiam o momento de planejar. Como os idosos lidam com sua sexualidade? Que dor, que alívio trarão as vivências propostas em transcendência? Em que degrau colocar a criatividade?!
Neste caminho, nossas crenças podem nos direcionar. O que pensamos sobre as possibilidades e limites do envelhecimento? O impacto causado pela realidade do próprio envelhecer gera sentimentos e conduz nossas ações para maior ou menor permissão em estarmos vivos e integrados a novas oportunidades da vida. Aceitar o envelhecimento é voltar-se para si e se encontrar no outro. É momento de sabedoria e generosidade como transmissores culturais vivos que somos. E Luft, mais uma vez, nos responde: “O espaço interior é necessário para a permanente recriação de si mesmo. São os aposentos que deveriam ser mais generosos e iluminados. Ali poderíamos analisar o trajeto feito, conferir nossos parâmetros, repensar os amores vividos e os projetos possíveis”. [ix]
A Biodanza propõe a vivência intensa das possibilidades. Considerando o próprio reconhecimento como ser único, fortalece a identidade e, ao mesmo tempo, dirige-se ao outro e ao universo. Um caminhar gradativo que permite adaptações e adequações, mudanças de rumo, novos caminhos, trilhados com leveza, com entusiasmo, com sensibilidade.
Consideramos uma experiência gratificante a fala da aluna M. A. ao repórter da TV Universitária: “Estou me sentindo mais bonita! Estou sim, podem acreditar! Mais bonita, mais animada, de bem com a vida!”, referindo-se às aulas de Biodanza inseridas no programa de atividades da Universidade da Terceira Idade.
Nossa experiência com os grupos nos levou a reflexões profundas sobre a vida, o envelhecer, o preconceito, a solidariedade intergeracional, a permissão conferida a si mesmo para viver intensamente tudo o que a vida proporciona, os aspectos socioculturais que interferem na qualidade de vida do idoso e na nossa qualidade de vida como representantes que somos dos que desejam a vida, que desejam o amor, que não se furtam à oportunidade de dançar a vida.
Considerando a relação entre a Biodanza e o envelhecimento, estamos seguros de nossas crenças quanto às possibilidades de pessoas idosas agirem e transformarem suas vidas e, ainda, da contribuição da Biodanza na vivência da autonomia, das condutas  saudáveis, da alegria de estar vivo.
Biodanza tem a ver com a paixão de estarmos vivos. Não foi por acaso que seu criador, Rolando Toro, genial em sua construção teórica e prática, disse que a vida se faz em função da própria vida. O universo existe porque a vida existe. É só a esse fio de vida que queremos nos apegar e soltar nossas vozes, algumas vezes finas, delicadas, frágeis. Nelas, toda a história se repete e nos faz atualizados pelo contato e vivência do passado, da reorganização e adaptação do presente.
Vislumbra-se, então, uma nova concepção de envelhecimento que, diferentemente de doença, não impõe limites às vivências, mas cuidados e adaptações. As degenerações acontecem, mas não são causas da desconstrução das possibilidades. Reconhecendo-se na alegria de ser o que se é, a pessoa passa a valorizar o instante vivido, ampliando a sua conexão com a vida. Para nós, o caminho continua, pois ainda há muito que aprender e construir. Este foi só o começo de uma forte experiência chamada vida!
[i] NERI, Anita Liberalesso. Envelhecer num país de jovens. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.p.31.
[ii] http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema019.htm
[iii] http://www.pensador.info/autor/Cora_Coralina/
[v] TOMISCH, H. Cryseida. Devaneios.  In: CARVALHO, D. & PIMENTEL, K. (org) Café com Poesia. Governador Valadares: Editora Univale, 2005.  A autora foi aluna da Universidade da Terceira Idade, UNIVALE.                                                                      

[vi] VIOTTI, Liliana Santos. BARROS DE CARVALHO, Gerson. A Empresa no tempo do Amor. Belo Horizonte: Editora Fênix, 1997. p.45.  
[vii] http://www.geocities.com/fedrasp/retrato.html

[viii] LUFT, Lya. Perdas e ganhos. Rio de Janeiro: Editora Record, 2003. p.130.
[ix] P. 117.