Arabela, o bêbado
e a poesia
Kathia Pimentel
Chama-se Arabela.
Como todas as meninas de sua idade gosta de sorvete, de pular corda, brincar de
passar anel e de pique esconde com seus amigos.
Arabela sempre
gostou de música e balé clássicos. Os pais ficavam curiosos quando viam a
menina dançando em frente ao espelho sem saber de onde ela tirou aquele
jeitinho tão bonito.
Ela gostava
também de imaginar-se voando com as estrelas e cometas, pisando leve sobre a
lua. Coisas de poeta e de Arabela.
“Sempre achei que
Arabela tem alma de poeta porque ela gosta de ler poesia desde muito pequena
quando ainda nem era alfabetizada”, dizia a mãe. Lia as imagens e deliciava-se
com suas descobertas.
Cresceu e começou
a escrever alguns poemas. Primeiro poemas pequenos e divertidos, depois alguns
com certa profundidade inesperada para sua idade.
Certa vez,
escreveu um poema sobre uma pessoa que vagava pelas ruas bêbado, viciado, sem
ter onde ir. Foi chamada de pequena poeta pelo professor de Literatura.
Em alguns
momentos, ela prefere ficar quietinha em seu canto saboreando o livro Ou Isto
ou Aquilo de Cecília Meireles ou A Bolsa Amarela da Lygia Bojunga, seus
preferidos.
Gosta ainda de
ouvir histórias, especialmente as assustadoras que sua avó conta. São histórias
antigas, algumas de assombração, que deixam os olhinhos de Bela arregalados e
curiosos.
O inusitado é que
Bela tem um vizinho. É um bêbado velhinho que mora em cima do arvoredo. Deram-lhe
o nome de Conde por ele ter um porte gentil e elegante. Gosta de sentir a brisa
fresca do mar sobre seu rosto, olhar as ondas indo, vindo e espalhando-se na
areia branca, como que escrevendo e desmanchando. Imagina-se viajante em terras
longínquas e se enternece com a poética do Mar Absoluto* e os peixes
mensageiros.
Aos domingos,
quando todos ainda estão dormindo e só se ouve o barulho das ondas batendo nas
rochas e o piar dos pássaros anunciando o dia, Arabela senta à sombra do arvoredo
e lê em voz bem alta os poemas de Cecília. O vizinho, do alto da casa da árvore
fala de coração poemas infantis que a alegram.
As pessoas
acordam e abrem as janelas para ver os poetas salpicando beleza à vida. Descem
de suas casas e sentam-se no chão ao lado de Bela ouvindo poemas e contos.
Ora o Conde fala
um poema, ora Arabela fala. Ora falam os zumbidos das abelhas ora é a vez dos
sonhos que passeiam livres à luz do dia. Os vizinhos deitam as cabeças nos
ombros de quem está perto e até fecham os olhos para ouvir a música em verso
que diz “se for louco ou for poeta, pode entrar que a casa é sua”.
Por causa desta
delicadeza, o vento de agosto sopra sobre os pensamentos e canta uma Vaga Música*
levando para longe dali todos os pesares.
*Mar Absoluto e
Vaga Música são livros de Cecília Meireles.
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